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Se houver quem assume, não estou nem aí

Imagem de SOTEF EngenhariaFalemos um pouco sobre tendências em tempos de crise. Obviamente que não há mal algum em sempre tentar buscar o menor custo possível para que determinado empreendimento seja executado, principalmente quando os recursos financeiros se encontram escassos em determinado momento, porém esse menor custo deve estar sempre relacionado às boas ideias e não a um alvo ou uma meta predefinida em uma determinada planilha controlada por um Programa de Gestão, seja lá qual for.

Imagem de SOTEF EngenhariaAinda falando sobre as “tendências”, observam-se cada vez mais concepções de projetos visando a tal “redução de custos de toda maneira”, onde a adoção de determinados tipos de fundações sabidamente mais baratas (pela própria concepção e também pelo tipo de equipamentos e qualidade da mão de obra envolvida no processo) são priorizadas e viabilizadas, em detrimento até, da qualidade e da expertise de quem as executa. Obviamente nada de mal há nisso, se não fosse o fato de que o critério que norteia a sua adoção não seja técnico e sim meramente comercial, ou seja, se ajusta uma solução que caiba no orçamento, esteja ela correta do ponto de vista normativo ou não.

Imagem de SOTEF EngenhariaAlguns exemplos que podem ser citados, por mais absurdos que possam parecer, são o uso cada vez mais frequente de fundações de edifícios em fundações diretas (sapatas ou radiers) projetadas em aterros pouco espessos situados sobre extensas camadas de argilas moles e estacas tipo Strauss projetadas em argilas marinhas moles saturadas ou em areias submersas, estacas tipo hélice continua monitorada projetadas em argilas marinhas moles, além de uma série de outras situações absurdas e conflitantes com o bom senso e com quaisquer critérios normativos.

Imagem de SOTEF EngenhariaPior que isso, consiste no fato de que em grande parte das obras, até mesmo as sondagens são efetuadas tendo por base um determinado referencial de custo predefinido, ou seja, tem-se um valor previamente arbitrado para tal serviço e “se compram (???)” tantos metros de furos que se encaixem naquele valor, ou seja, na prática, executam-se algumas sondagens e os furos são interrompidos sem critério técnico algum, observando apenas que o somatório dos metros dos furos e mais a taxa de instalação do equipamento resultem no valor previamente pactuado e, por fim, escreve-se em cada furo a tradicional frase “interrompido por determinação do cliente” e, pronto, sondagem concluída e relatório entregue junto com a fatura onde consta o valor acordado.

Imagem de SOTEF EngenhariaPior que isso, ainda há quem assim aceite projetar uma “fundação” sem qualquer questionamento e, ainda assine a ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) junto ao CREA. Efetuar uma determinada fundação sem sondagens ou com sondagens mal elaboradas, sem controles ou ensaios e sabidamente sem atendimento aos mínimos padrões estipulados nas normas técnicas vigentes no Brasil e “essa obra hipotética não apresentar problemas aparentes”, mesmo que, surpreendente e, muitas vezes irresponsavelmente, com as devidas ARTs perante os CREAs (Anotações de Responsabilidade Técnica) devidamente assinadas e recolhidas, não dá credenciais a quem assim fez a adotá-la como parâmetro de referência algum para que posteriormente outros empreendimentos sejam efetuados de igual maneira.

Imagem de SOTEF EngenhariaBasta que haja margem de segurança de 1:1 (literalmente no limite, na “corda bamba”) e, em tese não deveriam haver problemas, mas isso não significa que tudo esteja correto e respaldado técnica e juridicamente. À luz do que preconizam as normas técnicas vigentes no pais, esse procedimento não está correto e, portanto, deve ser, no mínimo refletido por todos, indistintamente. Há de se considerar, no entanto, que não há qualquer tipo de objeção de que se projetem fundações utilizando-se qualquer alternativa técnica que esteja respaldada normativamente, até mesmo porque, trata-se de uma prerrogativa pessoal de quem o faz, escolher a melhor alternativa que lhe convier para cada caso, mas há sempre de se observar o bom senso e a razão, em estrita obediência às condições normativas.

Imagem de SOTEF EngenhariaNos aprofundando um pouco mais sobre a questão das “mirabolantes soluções técnicas mais baratas” e da observação aos critérios normativos, não obstante a tudo isso (por mais incrível que possa parecer), falar sobre esse tipo de assunto com determinados clientes, não raras as vezes, tem feito com que estes busquem alternativas com profissionais que não os comentem ou os omitam, e que simplesmente façam o que melhor lhes convém em conformidade com os seus próprios interesses comerciais do momento.

Imagem de SOTEF EngenhariaEis então que surge a frase: “Se houver quem assume a responsabilidade eu não estou nem ai! ” Seria como se se alguém quisesse que um determinado profissional legalmente capacitado (perante o CREA) corroborasse uma determinada solução, determinada por outro não legalmente capacitado, por objetivos meramente comerciais em detrimento dos critérios normativos. Algo aproximadamente assim: “Faço do meu jeito e pego na mão do outro para assinar a responsabilidade técnica pelo que eu fiz”. Infelizmente isso ocorre e, a tendência parece piorar ainda mais.

Imagem de SOTEF EngenhariaToda justificativa para tal questão vem da tal crise que, convenhamos até existe e afeta a todos em determinado momento. Mas essa justificativa não cabe e nem serve para questões desse tipo, pois envolvem ética, responsabilidade, presença de espirito profissional e, por que não dizer também, a tal experiência. Uma vez ACHANDO que determinada solução deu certo na época da crise, certamente será usada mais adiante como “EXPERIÊNCIA ADQUIRIDA”, porém sem qualquer avaliação de conformidade ou memorial de cálculo devidamente embasado e, pior que isso, sem analise ou questionamento de quem quer que seja.

Imagem de SOTEF EngenhariaMas o que é assumir a responsabilidade sobre uma questão que envolve, em grande parte dos casos, colisão frontal ou não cumprimento de determinados critérios estabelecidos nas normas técnicas vigentes? Não é absolutamente nada, pois conforme já disse anteriormente, não basta haver uma série de documentos de “pseudo transferências de responsabilidade técnica” devidamente assinados, que essa responsabilidade técnica realmente haverá e se concretizará, respaldando alguém ao ressarcimento futuro de eventual sinistro, caso ocorra. Se observarmos, por exemplo, a ABNT NBR 6118 / 2023 – (Projeto de Estruturas de Concreto), no item 5.3 notaremos o que segue:

Item 5.3 – Avaliação de Conformidade de Projeto

5.3.1. A avaliação da conformidade do projeto deve ser realizada por profissional habilitado, independente e diferente do projetista, requerida e Contratada pelo Contratante e registrada em documento especifico, que acompanhará a documentação do projeto.

5.3.2. Entende-se que o Contratante pode ser o proprietário da obra, em uma primeira instância, desde que este tenha condições de compreender o que está proposto e acertado no contrato, cujo conteúdo pode versar sobre termos técnicos, específicos da linguagem do engenheiro. Nesse caso, entende-se que o proprietário tenha conhecimentos técnicos e compreenda todo o teor técnico do contrato e o autorize. O Contratante pode ser também um representante ou preposto do proprietário, respondendo tecnicamente pelo que há de cunho técnico no contrato, substituindo este último nas questões exigidas, ou seja, nas responsabilidades próprias e definidas por esta Norma.

5.3.3. O Contratante também definirá em comum acordo com o Projetista, as demais prerrogativas exigidas e necessidade para atendimentos a esta Norma, sempre que alguma tomada de decisão resultar em responsabilidades presentes e futuras de ambas as partes.

5.3.4. A avaliação da conformidade do projeto deve ser realizada antes da fase de construção e, de preferência, simultaneamente com a fase de projeto.

Na ABNT NBR 6122/2019 – (Projeto e Execução de Fundações), no item 8.1 (Generalidades) encontra-se a seguinte citação:

“O projeto de fundações consta de memorial de cálculo e dos respectivos desenhos executivos, com as informações técnicas necessárias para o perfeito entendimento e execução da obra. A elaboração do me-morial de cálculo é obrigatória, devendo estar disponível quando solicitado”. Não obstante a tudo isso, ainda há de se considerar que após anos de revisão e debates, passou a vigorar a Norma de Desempenho (ABNT - NBR 15.575/2021), onde se encontram apresentados dentre inúmeros outros conceitos, o conceito de vida útil do projeto, a definição de responsabilidades e os parâmetros de desempenho mínimos (compulsório), intermediário e superior. Embora muitos profissionais ainda não tenham se atentado a isso, essa Norma Técnica estabelece métodos e critérios que, se bem analisados e interpretados, possibilita que em caso de eventuais problemas, sejam envolvidas diretamente todas as partes que participaram do empreendimento, estando estas ou não envolvidas diretamente com a questão em discussão. Obviamente que, caberá a cada parte envolvida justificar-se oportunamente, isentando-se ou não do assunto em discussão. Enfim, são situações que devem ser avaliadas com bastante critério a partir de então, pois podem trazer alguns embaraços no futuro àqueles menos incrédulos e que ainda adotam as filosofias do “sempre fiz assim e deu certo, por que mudar?” e/ou “se houver quem assume a responsabilidade eu não estou nem ai! ”

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Pela simples analise dessas citações (que não são recomendações e sim quesitos normativos obrigatórios), nota-se facilmente que as coisas não são tão simples quanto parecem ser quando o assunto é responsabilidade técnica, principalmente por parte de quem assina. Achar que, uma vez que se dispõe de uma ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) se estará automaticamente com a documentação e o desempenho da obra garantido, técnica e juridicamente, consiste em verdadeira falácia e, via de regra, não mais isenta o proprietário e o seu engenheiro preposto de responsabilidade, pelo menos no que tange ao aspecto estrutural. Assim sendo, a frase “se houver quem assume a responsabilidade eu não estou nem ai! ” deve ser repensada por quem habitua-se a usá-la como jargão. Pergunta-se então: Quantos projetos atualmente executados contemplam minuciosamente a observação dessas duas questões normativas? Observar que são apenas duas de uma série de outras questões e, de Normas Técnicas distintas, porém que de certa maneira encontram-se em algum instante associadas

Imagem de SOTEF EngenhariaConforme já disse anteriormente, volto a dizer aqui que em épocas de crise, tudo se “espreme” e, por consequência as margens de segurança e até a responsabilidade de alguns acabam também sendo “espremidas” e muitas vezes sequer percebidas ou avaliadas com bom senso. Partindo dessa premissa, os problemas futuros certamente tendem a aumentar, e muito. Sempre ter feito algo que deu certo em determinada época é uma coisa, que pode até ser considerada arrojo, porém em época de crise é outra totalmente diferente, pois que, as variáveis que favorecem o eventual surgimento de problemas aumentam consideravelmente, podendo caracterizar-se como inconsequência ou até mesmo, em determinadas situações, irresponsabilidade. Lembrem-se que a sorte não existe, pois aquilo que chamamos de sorte, nada mais é que ter o cuidado com os pormenores.

Imagem de SOTEF EngenhariaAssim sendo, é bem possível que estas poucas e mal traçadas linhas aqui escritas, servirão para mudar algo em momentos de crise, até porque nem há essa pretensão, porém talvez sirvam de referência e reflexão para que, quando surgirem problemas, já se tenha um norte para que sua causa seja identificada, e saibam por onde começar a procurar. Pergunta-se novamente então: “Onde está a presença de espirito e a predisposição, características tão necessárias para se saber quando e onde intervir quando algo foge do bom senso? ” A resposta a essa pergunta deveria, no meu entender, começar a ser dada por quem contrata pelo critério do menor preço e por quem se presta a assumir por algo que desconhece a fundo.

Imagem de SOTEF EngenhariaNão podemos aceitar que as “tendências sejam tendenciosas” neste segmento, pois as consequências podem ser graves. Ainda assim, não podemos aceitar com naturalidade que que nos obriguem a fazer parte da filosofia do “se houver quem assume a responsabilidade eu não estou nem ai !!!”. Alguns colegas até se sentem cansados por exaustivamente já terem passado por situações semelhantes ao longo de suas carreiras profissionais e acreditam que nada mais há o que fazer para que tal situação seja modificada, resignando-se então, porém há de se observar que um velho ditado assim diz: ”Ninguém pode se considerar assim tão velho que não acredite que possa viver por pelo menos mais um ano”.

Em síntese, creio estar fazendo novamente a minha parte e, que não acreditem no que aqui escrevo, pois não quero que me julguem ser dono da razão, mas que pelo menos leiam e reflitam, se assim julgarem que devam fazer. E novamente a vida continua...

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