Navalhas nas mãos de macacos
Há alguns anos, ao se executarem projetos e, posteriormente as fundações de determinada obra, apesar de uma série de dificuldades relacionadas à performance dos Softwares de engenharia e bons equipamentos disponíveis, observava-se uma maior interação e participação entre os profissionais e as várias etapas do evento. Havia uma maior personalização de tudo, uma maior participação e presença de espirito de todos os profissionais envolvidos em todas as etapas. De certa maneira, tudo se processava de maneira mais estável, mais simples, mais previsível e, por consequência, mais controlável, o que difere substancialmente da realidade atual, onde parece que tudo ocorre de maneira muito instável, complexa, imprevisível, rápida e até mesmo incontrolável. Se fizermos uma pequena e simplificada retrospectiva, reportando-nos à década de 90 (por exemplo), verificaremos que, no que tange às fundações profundas, haviam cotidianamente muitas fundações projetadas e executadas, por exemplo, com estacas tipo Franki e estacas tipo Strauss, as quais, competiam acirradamente com as pré-fabricadas de concreto. Obviamente que, cada solução era projetada em obediência a critérios técnicos, e isso era muito discutido, pois naquela oportunidade, estava sendo feita a revisão da norma técnica ABNT NBR-6122 (Projeto e Execução de Fundações), revisão essa publicada no ano de 1.996. Nesse interim, começaram a ser importados diversos equipamentos de última geração em fundações, os quais traziam consigo elevada tecnologia operacional se comparados aos que até então estavam sendo habitualmente utilizados no Brasil. Surgiram então as estacas tipo hélice continua monitorada e, mais modestamente alguns equipamentos hidráulicos e, mais também os vibratórios, para cravação de estacas de aço e de concreto.
Soluções amplamente utilizadas até então, tais como as estacas tipo Franki e as estacas Strauss foram paulatinamente sendo substituídas, por questões técnicas, operacionais e comerciais. Obviamente que, inúmeras empresas tiveram que adaptar-se a todo esse processo e a essa tecnologia, para não sucumbirem e, os antigos operários que detinham a expertise e o “know how” para execução desse tipo de fundações, em parte foi adaptado e migrou para a operação desses novos equipamentos e, em parte simplesmente aposentou-se e/ou não mais permaneceu no segmento, sendo que, essa mesma linha de raciocínio também pode ser aplicada a muitos profissionais de primeiro escalão de diversas empresas, em nível de mestres, gerentes e até diretores.
Perdeu-se aí um grande potencial técnico e operacional em relação a alguns tipos de fundações, em particular às duas citadas, sendo que essa perda demorará algumas gerações para ser devidamente ajustada ou reposta, ou talvez até isso nem se torne possivel. Passa a surgir então uma nova geração de equipamentos e de operários no segmento de fundações no Brasil.
Grande parte desses equipamentos trazem como estratégia de marketing muito bem elaborada, a ideia que controlam tudo o que fazem e, os profissionais que os operam, em grande parte das vezes, acreditam realmente que estão controlando tudo através de mecanismos hidráulicos, eletrônicos e Softwares de última geração, sem se preocuparem ou até mesmo interessarem mais com a presença de espírito profissional, ou seja, de observarem as eventuais não conformidades que rotineiramente ocorrem e raciocinarem para que então, intercedam e tomem alguma providência.
Pode-se até dizer que, na grande maioria das vezes, sequer saem das cabines desses equipamentos, as quais são providas de ar condicionado e uma série de outras condições técnicas de ergonomia e conforto. Como resultado final, quase sempre, uma pilha de papel colorido e cheio de gráficos, torna-se suficiente para ser devidamente arquivado na pasta de documentos da obra e, finalmente se possa então admitir que tudo foi devidamente controlado e está rigorosamente cumprida a etapa de certificação da qualidade dessa fase da obra. Há de se observar, no entanto, que o mero registro de eventos não é sinônimo de que algo tenha sido realmente controlado, pois que, a produtividade a ser alcançada torna-se o fator fundamental a ser observado, muitas vezes em detrimento de todo o resto.
Cabe então a pergunta: Será que está mesmo tudo devidamente analisado e controlado? Reescrevamos então algumas frases que, na época já anteviam o haveria pela frente:
“Não confundir controle de fundação com registro de eventos da fundação”.
Autor: Urbano Rodriguez Alonso
Fonte: Previsão e Controle das Fundações (1991)
“A garantia da qualidade tem uma função pedagógica, que deve se estender a toda a empresa, desde o topo da direção até o mais subalterno servidor, sendo a ignorância o maior inimigo da qualidade e a burocracia o maior inimigo da garantia da qualidade.”
Autor: Dirceu de Alencar Velloso
Fonte: 1º Simpósio sobre Qualidade na Construção Civil (set. / 1990)
“Para se adquirir um equipamento basta ter o dinheiro, mas para formar uma equipe capaz de fazê-lo trabalhar eficientemente, há necessidade de tempo para treinamento.”
Autor: Engº Dirceu de Alencar Velloso
Fonte: Boletim nº 68 da ABMS – maio/julho/1.998.
“Da mesma forma que comprar uma máquina fotográfica de última geração não transforma ninguém em fotógrafo, a compra de softwares de Engenharia também não transforma o comprador em um bom Engenheiro, em um Projetista ou em um Consultor.
Autor: Milton Golombek
Fonte: SEFE VI (novembro / 2008)
Pensar que a execução atual de determinadas fundações obedece aos mesmos padrões técnicos e operacionais que se encontravam naturalmente associados a elas, há alguns anos passados é, no mínimo ilusão, até mesmo porque as equipes que executam os serviços são outras e, uma série de variáveis mudaram no decorrer dos anos e, essas variáveis estão associadas e intimamente ligadas a questões que não são somente técnicas e sim de predisposição pessoal dos profissionais envolvidos na execução, na predisposição de fazer o certo e sem “invencionices ou adaptações (popularmente denominadas gambiarras)”, em se preocuparem ou até mesmo se interessarem mais com a tão necessária presença de espirito profissional, ou seja, de observarem as eventuais não conformidades que rotineiramente ocorrem e continuarão a ocorrer e, se mostrarem predispostos a raciocinar, interceder e então tomar alguma providência ou, simplesmente passar o problema à frente após identificá-lo, porém em tempo hábil para que algo possa ser feito.
Parece que os valores e os interesses pessoais vêm mudando substancialmente no decorrer dos anos e, atualmente nota-se claramente que há muita carência de profissionais predispostos a aprender, a evoluir, a crescer junto com as empresas que trabalham, agravando-se ao fato de que o uso cada vez mais frequente da informática e da tecnologia de comunicação avançarem consideravelmente, a ponto de alguns maus e até limitados profissionais considerarem a possibilidade desses recursos simplesmente substituírem a capacidade de raciocínio lógico, o bom senso e a razão.
Embora estejamos em uma fase de transição entre um mundo mais estável, previsível e controlável, e outro totalmente conectado por diversos mecanismos de informação, instável, imprevisível e, por que não dizer, até mesmo incontrolável, há de se ter em mente que estamos numa época em que há muita carência de seres humanos ensináveis em todas as áreas de atividade humana, ou seja, que tenham o espirito realmente aberto e predisposto a isso.
Obviamente que nem tudo pode ser generalizado, havendo empresas que se empenham em investir e treinar habitualmente os profissionais, passando-lhes toda expertise adquirida ao longo dos anos, com o intuito de buscar sempre a manutenção de determinado padrão, mas até quando essas empresas sobreviverão, pois que, todo esse processo envolve custo e tempo e, muitas vezes se veem obrigadas a competir com outras que não têm os mesmos objetivos e preocupações e, pior que isso, por questões meramente comerciais, acabam sendo colocadas em uma situação de competição igualitária no mesmo segmento. Não aprece sensata e nem coerente tal condição, mas há de se observar que infelizmente ocorre com mais frequência que se imagina. Se houver reflexão mais aprofundada sobre essa questão, verificaremos que se trata de assunto preocupante e cujas prováveis consequências o tempo se encarregará de mostrar.
Obviamente que, há de se considerar e respeitar sempre a liberdade e o livre arbítrio de todos em optarem pelo que lhes for mais conveniente quando da escolha do projetista e do executor das fundações de determinado empreendimento, porém cabe aqui registrar que, neste segmento, Softwares ou equipamentos de última geração nas mãos de profissionais, que não tenham experiência, bom senso e presença de espirito profissional, são verdadeiras “navalhas nas mãos de macacos”, ou seja, só servem para fazer lambança, pois a maior parte da concepção da solução e o bom desempenho da execução está associada à experiência e esta não pode ser substituída por quaisquer programas e/ou equipamentos, por mais complexos e completos que possam ser.
Sob tal aspecto, quando se busca a troca de ideias e experiências com profissionais competentes e de experiência comprovada, sempre há crescimento e aperfeiçoamento reciproco, porém quando se tenta fazer o mesmo com profissionais que não tenham tais características, na grande maioria das vezes, em algum momento ocorre alguma tensão, que, não raras as vezes termina em inimizade.
A resolução de determinados problemas através do intercambio de fotos e informações com uso cada vez mais frequente de aplicativos tais como o WhatsApp (tão na moda ultimamente), é de grande valia, não há dúvida quanto à isso, mas, neste segmento é bom que se tenha em mente, que nada substitui a já exaustivamente comentada e necessária experiência e também a presença de espirito profissional e, nesse sentido, há de se deixar um pouco de lado o conforto do escritório, levantar-se da poltrona e ir a campo lambuzar os sapatos ou as botas de barro, para que os problemas sejam avaliados e resolvidos de maneira personalizada, como deve ser.
Uma coisa é certa e ainda permanece inalterada no decorrer dos anos, ou seja, o material de trabalho do engenheiro de fundações (seja ele experiente ou não), é o solo e, por mais que se façam ensaios, há de se ter em mente que preponderará sempre a heterogeneidade e a homogeneidade será sempre a exceção. Lembrem-se sempre disso e, os mais incrédulos e eventualmente menos consequentes, que reflitam. FICA A DICA!!!