Engenharia

Características do concreto para estacas moldadas in loco em solos litorâneos

1.INTRODUÇÃO

Muito se fala sobre a adoção de estacas moldadas in loco em solos tipicamente sedimentares litorâneos, adotando-se os mais variados argumentos para justificar a adoção desse tipo de fundação profunda, argumentos esses que em grande parte das vezes não se fundamentam na prática. Antes de prosseguirmos este artigo técnico, gostaríamos de frisar que NÃO EXISTE NENHUMA FUNDAÇÃO “BOM BRIL”, ou seja, de “mil e uma utilidades”, que resolva qualquer situação e que possa ser adotada em qualquer caso. Cada tipo de fundação tem suas particularidades especificas, aspectos positivos e negativos e, para tanto, deve ser previamente analisada sob contextos técnicos, operacionais / logísticos e também, financeiros. Pensar que determinada solução técnica de fundação é única e exclusiva é um grande engano e, a melhor solução será sempre aquela que conseguir englobar de forma harmônica todas essas variáveis comuns em qualquer caso. Neste artigo técnico procurar-se-á abordar um aspecto técnico por vezes não observado em inúmeros projetos de fundações em estacas moldadas in loco executadas em obras litorâneas, mais especificamente sobre as características do concreto utilizado nessas estacas.

Basicamente, nas condições geotécnicas características das regiões litorâneas (vide figura 1), geralmente as fundações adotadas são quase sempre do tipo profundas, com emprego de estacas, geralmente do tipo pré-fabricadas de concreto ou aço e, por vezes, a depender do porte das edificações e da magnitude do canteiro de obras, também se pode pensar em adotar estacas moldadas in loco do tipo hélice contina monitorada ou até mesmo estacas escavadas com uso de fluido estabilizante (também denominadas estacões). Sem enveredarmos neste artigo técnico às questões operacionais / logísticas e nem mesmo ambientais que envolvem a adoção de fundações profundas com estacas moldadas in loco, quer sejam estacas do tipo hélice continua monitorada ou até mesmo escavadas com uso de fluido estabilizante (também denominadas estacões), situações essas que abordaremos oportunamente em outro artigo técnico especifico sobre essas questões, nos ateremos a abordar neste trabalho questões relativas ao tipo de concreto a ser adotado nessas estacas em condições de perfis geotécnicos situados em regiões litorâneas.             

Como é de amplo conhecimento, nas obras edificadas em regiões litorâneas, há sempre a necessidade de preocupação com o fenômeno da agressividade provocada pelo ambiente marinho, o qual proporciona a aceleração do processo de corrosão de objetos metálicos e também do concreto, em razão da presença de íons cloreto na água do mar e no aerossol marinho. Há de se considerar que estruturas em contato direto com a água do mar exigem maior cuidado na especificação do concreto e na proteção das armaduras, pois estão sujeitas a condições mais agressivas. Por isso, precisam de cuidados especiais em suas fases de projeto, construção e operação para que atendam às expectativas de desempenho e durabilidade. Sob tal aspecto, o concreto deve ser alvo de alguns cuidados especiais na fase de análises dos materiais que serão utilizados na sua formulação. Ajustes de dosagem, materiais para minimizar a retração e preocupações quanto ao calor de hidratação são indispensáveis. Os ambientes marinhos, por sua vez, são sempre muito nocivos ao concreto por conta da presença de íons de cloro e sulfatos, além da erosão causada pela água do mar e por resíduos que podem se encrustar nas estruturas.

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 Figura 1 – Sondagem típica de solo litorâneo

A figura 1 apresenta um perfil geotécnico característico de uma obra situada na cidade de Caraguatatuba, litoral Norte do estado de São Paulo. A edificação a ser realizada sobre o referido perfil geotécnico trata-se de um edifício residencial com total de 12 pavimentos, magnitude de cargas nos pilares principais entre 150 e 350 toneladas, em média. Analisando-se o referido perfil geotécnico, pode-se concluir com razoável facilidade que se trata de um solo tipicamente sedimentar, bastante característico dessa região e, com camadas de argila e areia intercaladas até o limite da sondagem. A julgar pelos índices de resistência à penetração do amostrador SPT (Standard Penetration Test) apresentados nas diversas camadas, pode-se também concluir que a solução de fundação mais recomendada será o uso de fundação profunda em estacas. Considerando a não existência de extensas camadas de argila marinha muito mole a mole e a preponderância de areia com variadas compacidades ao longo do perfil geotécnico apresentado, recomenda-se o uso de estacas moldadas in loco em detrimento das pré-moldadas de concreto, uma vez que a adoção desta última alternativa certamente incorreria na perspectiva de inúmeras quebras durante o processo de cravação, além de uma razoável heterogeneidade de comprimentos, resultando em grande magnitude de sobras de estacas. Dentre as alternativas possíveis para o caso em questão, pode-se pensar em estacas do tipo hélice continua monitorada ou estacas escavadas com uso de fluido estabilizante (também denominadas estacões). Em ambas as alternativas, há de considerar que o concreto a ser adotado deve apresentar determinadas características técnicas que garantam às estacas, um bom desempenho qualitativo durante toda a vida útil da edificação e, considerando que essas estacas serão executadas em um perfil de subsolo com condições de agressividade bastante acentuadas, por se tratar de um solo em contato direto com água marinha, portanto com bastante presença de íons de cloro e sulfatos. A julgar pela magnitude de cargas medias nos pilares e, também pelas dimensões do canteiro de obras, optou-se, no caso, pela adoção de estacas do tipo hélice continua monitorada (Figura 2).   

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Figura 2 – Esquema típico do processo de execução de estacas tipo hélice continua monitorada

A execução de estacas do tipo hélice contínua se divide basicamente em três etapas, sendo que na primeira etapa ocorre a perfuração do solo através de trado helicoidal de diâmetro previsto em projeto, já na segunda etapa ocorre a remoção da hélice juntamente com o solo escavado e simultaneamente é feita a concretagem e, a terceira etapa consiste na colocação da armadura.

2.CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS DO CONCRETO

A Norma Técnica ABNT NBR 6122/2022 (Projeto e Execução de Fundações) estabelece nos itens J.9 (pág. 76 para as estacas escavadas com uso de fluido estabilizante) e, N.9 (pág. 91 para estacas do tipo hélice continua monitorada), que as características técnicas para concretos desse tipo de estacas devam atender aos seguintes requisitos mínimos:

O concreto deve atender ao disposto na tabela 4 (pág. 34) quanto às classes de agressividade I, II, III e IV, e observar as seguintes características:

  • Para o C30 abatimento entre 220mm e 260 mm S 220, diâmetro de agregado de 9,5mm a 25 mm e teor de exsudação inferior a 4%;
  • Para o C40 abatimento entre 220mm e 260 mm S 220, diâmetro de agregado de 9,5mm a 25 mm e teor de exsudação inferior a 4%;

Recomendações para dosagem desses concretos:

  • Para o C30, consumo mínimo de comento de 350 kg/m3 e fator a/c ≤ 0,60;
  • Para o C40, consumo mínimo de comento de 350 kg/m3 e fator a/c ≤ 0,45.

A tabela 4 acima referida, apresentada na página 34 da referida Norma Técnica, estabelece basicamente o que segue no que tange à especificação do concreto desse tipo de estaca em relação à classe de agressividade do meio onde será executada:

Tanto para as estacas do tipo hélice continua monitorada quanto para as estacas escavadas cm uso de fluido estabilizante (estacões), para as classes de agressividade ambiental níveis I e II, pode ser adotado o concreto do tipo C30 e, para as classes de agressividade ambiental níveis III e IV, deve ser adotado o concreto do tipo C40.   

Falando em agressividade ambiental, vejamos o que a ABNT NBR 6118/2023 (Projeto de Estruturas de Concreto) estabelece sobre esse assunto. Nas páginas 16 e 17, item 6.4, encontra-se o seguinte:

6.4 Agressividade ambiental

6.4.1 A agressividade ambiental está relacionada às ações físicas e químicas que atuam sobre as estruturas de concreto, independentemente das ações mecânicas, das variações volumétricas de origem térmica, da retração hidráulica e outras previstas no dimensionamento das estruturas.

6.4.2 Nos projetos das estruturas correntes, a agressividade ambiental deve ser classificada de acordo com o apresentado na Tabela 6.1 e pode ser avaliada, simplificadamente, segundo as condições de exposição da estrutura ou de suas partes.

 

Tabela 6.1 – Classes de agressividade ambiental (CAA)

Imagem de EngenhariaComo se pode observar facilmente, para o caso especifico das estacas moldadas in loco executadas em solos litorâneos, a especificação técnica do concreto a ser adotado é o correspondente ao C40 e não ao C30, conforme erroneamente muitos projetistas equivocadamente especificam para essas condições.

3. CONTROLE DO CONCRETO

Não basta que o concreto a ser utilizado para a execução dessas estacas moldadas in loco possua as características técnicas especificadas anteriormente, pois ainda há a obrigatoriedade normativa de atendimento a determinadas condições de controle, conforme estabelece os itens J.10 (pág. 76 para as estacas escavadas com uso de fluido estabilizante) e, N.10 (pág. 91 para estacas do tipo hélice continua monitorada). Portanto, temos as seguintes considerações sobre tal questão:

Os concretos destinados à fundação devem seguir a condição de preparo estabelecida na ABNT NBR 12655. A mistura realizada em central de concreto ou em caminhão betoneira deve seguir o disposto na ABNT NBR 7212. Os materiais utilizados na fabricação do concreto, como cimento Portland, agregados, água (gelo) e aditivos, devem obedecer às respectivas normas brasileiras especificas.

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Antes do início da obra deve ser fornecida a carta de traço conforme ABNT NBR 7212. A carta de traço deve apresentar a quantidade em massa de cada componente do concreto e informar o limite máximo de exsudação (ver ABNT NBR 15558), a classe de abatimento e de resistência e o abatimento (ver ABNT NBR 8953) e a avaliação da reatividade potencial (ver ABNT NBR 15577-1).

4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E DE APOIO

  • ABNT – NBR 6122 (2022) – Projeto e Execução de Fundações.
  • ABNT – NBR 6118 (2023) – Projeto de Estruturas de Concreto.
  • ABNT – NBR 12654 (1992) – Controle Tecnológico de Materiais Componentes do Concreto – Procedimento.
  • ABNT – NBR 12655 (2022) – Concreto de Cimento Portland - Preparo, Controle, Recebimento e Aceitação – Procedimento.
  • ABNT – NBR 5738 (2016) – Moldagem e cura de corpos de prova cilíndricos ou prismáticos de concreto – Procedimento.
  • ABNT – NBR 5739 (2018) – Concreto – Ensaio de Compressão de Corpos de Prova Cilíndricos – Método de Ensaio.
  • ABNT – NBR 6118 (2023) – Projeto de Estruturas de Concreto – Procedimento.
  • ABNT NBR 7212 (2021) – Concreto Dosado em Central – Preparo, Fornecimento e Controle.
  • ABNT – NBR 7222 (2011) – Argamassa e Concreto – Determinação da resistência à tração por compressão diametral de corpos de prova cilíndricos – Método de ensaio.
  • ABNT – NBR 7680 (2015) – Extração, preparo, ensaio e análise de testemunhos de estruturas de concreto – Procedimento.
  • NBR12317 (2012) – Verificação de Desempenho de Aditivos para Concreto (NB 1401).
  • ABNT NBR 8522-1 (2021) – Concreto endurecido - Determinação dos módulos de elasticidade e de deformação - Parte 2: Módulo de elasticidade dinâmico pelo método das frequências naturais de vibração
  • ABNT NBR 8522-1 (2021) – Concreto endurecido ― Determinação dos módulos de elasticidade e de deformação Parte 1: Módulos estáticos à compressão.
  • ABNT NBR 8953 (2015) – Concreto para fins estruturais – Classificação pela massa específica, por grupos de resistência e consistência.
  • ABNT NBR 15577-1 (2008) – Agregados: Reatividade álcali-agregado Parte 1: Guia para avaliação da reatividade potencial e medidas preventivas para uso de agregados em concreto.

 

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